A mulher guerreira dos filmes de hoje é diferente das mulheres violentas que apareciam no cinema de décadas atrás. A ideia de que essas ações masculinizam o comportamento feminino perderam força, e as atitudes da mulher violenta já podem ser vistas sem que sua feminilidade seja imediatamente questionada.
Hoje, a violência é mostrada como sendo um componente de sua individualidade. A conclusão é de Carla Bernava, em pesquisa apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
A socióloga diz que as guerreiras do cinema atual são mais engajadas na luta física, o que faz com que sua violência já não dependa tanto do uso de facas ou armas de fogo, como acontecia com as antigas mulheres fálicas e fatais. Além disso, nega-se a percepção de que a mulher violenta é irremediavelmente ruim ou louca porque há uma maior identificação dessas personagens com o público. “Isto se dá pela mescla de seus atributos violentos com características reconhecidas facilmente como femininas e pela ausência de punição”, diz a pesquisadora, que analisou as personagens Nikita (Nikita), Lara Croft (de Tomb Raider) e Beatrix Kiddo (de Kill Bill), entre outras.
Assim, até as guerreiras têm seu lado mais feminino e frágil: Nikita desenvolve, durante sua trama, uma fragilidade interna claramente feminina; Lara Croft apresenta-se como uma mulher bastante sedutora; e Beatrix Kiddo, em Kill Bill, luta para vingar uma agressão à maternidade.
Imagens
As imagens da violência feminina são geralmente consideradas como desviantes ou transgressoras, porque se opõem à imagem da mulher tradicional, que é não-violenta. Para Carla, entretanto, em todas as épocas do cinema as imagens da violência feminina causam um estranhamento, porque remetem a um aspecto que é reprimido durante o processo de socialização das mulheres.
— A exposição de características mais brutas vindas de uma mulher mostram apenas um elemento que pode estar presente em todos os indivíduos e que as sociedades reprimem com mais força no caso das mulheres — diz Carla.
Para ela, as mulheres violentas que aparecem em alguns filmes produzidos nos últimos anos se apresentam como a elaboração mais recente deste estranhamento.
Neste período, Carla também diz que a figura da “mulher fálica” parece estar perdendo força. Seu principal exemplo é Lara Croft, personagem interpretada por Angelina Jolie. A socióloga explica:
— Quando o homem usa uma arma para atacar, ele está projetando sua virilidade. Aquela arma substitui seu órgão sexual masculino. Porém, Lara Croft é conhecida justamente por utilizar duas armas, uma em cada mão, que se apresentam como um prolongamento dos seus seios. É como se, a partir delas, ela projetasse sua feminilidade. Assim, a violência que esta personagem expressa é uma projeção de seu próprio corpo e não uma apropriação de uma violência que era então, por excelência, masculina — explica.
A dissertação de mestrado Violência e feminino no cinema contemporâneo foi apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e teve orientação do professor Paulo Roberto Arruda de Menezes.
AGÊNCIA USPFonte: Zero Hora
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